Teatro Escola Macunaíma on jun 10, 2021
Durante muito tempo, Konstantin Stanislávski, enquanto encenador, foi considerado um representando na tendência naturalista no teatro. Nós, no Macunaíma, porém, procuramos investigar as suas contribuições para a pedagogia teatral e, bem como para a formação do ator. E, dessa forma, acreditamos que as possibilidades de trabalho a partir de seu Sistema ultrapassem qualquer estética pré-concebida.
Em primeiro lugar, Elena Vássina, professora do Curso das Letras Russas da FFLCH-USP, sempre comenta esta questão. Como, por exemplo, no Chá com Stanislávski organizado pelo Macunaíma para o lançamento do Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislávski – CLAPS, realizado em outubro de 2018. Na ocasião, ela fez referência às montagens das quatro principais peças de Tchékhov – A Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. Porém nestas encenações, ela destacou que Stanislávski “criou um novo tipo de linguagem cênica, que era bem impressionista e simbólica, mas não naturalista”.
Sua fala, publicada na 15ª edição do Caderno de Registro Macu, sublinhou que o trabalho de Stanislávski era centrado no “ensemble, nas inter-relações do conjunto”. E como resultado, considerou que Stanislávski teve sim montagens naturalistas, bem como “como diretor, como encenador, trabalhou com estéticas, linguagens, completamente diferentes”. Um exemplo, disso, como cita Elena Vássina, é seu interesse pela Commedia dell’arte e a montagem de “vários espetáculos inspirados em uma estética, digamos, popular”.
Mas o mito do Stanislávski naturalista, conforme ela também comenta, tem seu fundamento histórico. E ele remonta à grande influência exercida pelo encenador francês André Antoine, que alterou completamente a cena teatral e criou o Teatro Livre em Paris. O naturalismo de Antoine, enquanto tendência estética de vanguarda, era seguido por muitos. Porém Stanislávski era um pesquisador e, tal qual, investigou linguagens das mais diversas, sempre com o olhar voltado para a pedagogia teatral.
Alinhados ao pensamento de Elena Vássina, nós, do Macunaíma, temos discutido em nossas reuniões pedagógicos, o Sistema Stanislávski em suas múltiplas possibilidades educativas e estéticas. Contudo, lemos e debatemos alguns artigos de Vitor Lemos, que realiza seu pós-doutorado no Centro de Estudos de Teatro na Universidade de Lisboa, Portugal.
Em seus textos, Vitor Lemos reflete sobre as instâncias teatral e performativa, em que o ator é levado a abandonar noções sólidas de identidade de si e da personagem. Contudo, ele aponta como caminho as Ações Físicas de Stanislávski, que se afastou da ficcionalidade para trabalhar com o teatro como acontecimento.
As Ações Físicas, enquanto método de investigação, ensejam o encontro entre o que o ator deseja fazer e o que é levado a fazer. Ou seja, enquanto realiza uma ação, o ator se descobre como agente, na medida em que se constitui por meio dela. Essas ações, ao mesmo tempo, têm como ponto de partida, mas não de chegada, o texto teatral. E este é entendido como um “chamariz”, já que o estudo das circunstâncias da peça visa ativar a imaginação dos atores.
O papel da imaginação neste processo é então decisivo, pois ela integra e projeta o ator nas circunstâncias. Mas isso implica, para além de seu levantamento ficcional, a criação de condições para que o ator as investigue a partir de si mesmo. Portanto ainda à importância do estabelecimento de tarefas físicas voltadas para a solução de problemas.
A composição de uma sequência de tarefas, a que chamamos Linha de Ação, é sempre motivada por um desejo, um objetivo. Para alcançar este objetivo, o ator é impulsionado a se colocar em movimento, em ação. E a enfrentar também obstáculos, figurados no(s) outro(s), que ele terá que modificar para conseguir o que almeja.
Essa é a trajetória de uma atuação viva, que pressupõe a relação, comunhão, adaptação, irradiação, o contato entre os atores, objetos, espaço. Se ela parte das Circunstâncias Propostas no texto, seu desenrolar aponta para a transformação da ficção na realidade da criação atoral. Consequentemente em seguida, o trabalho com as Ações Físicas nega o já conhecido, a representação, e possibilita a experimentação, o aprendizado.
Os questionamentos de Elena Vássina e Vitor Lemos sobre a filiação de Stanislávski ao naturalismo têm nos fomentado, enquanto diretores-pedagogos, a pensar e praticar o Sistema. Pois eles reforçam a noção de trabalho do ator sobre si mesmo e, as possibilidades de criação para além do caráter estético. Assim, as descobertas que o teatro proporciona vão além da profissionalização, já que se voltam ao autoconhecimento e a uma nova visão de mundo.