Teatro Escola Macunaíma on ago 8, 2023
Em primeiro lugar, Stanislávski, o renomado reformador do teatro, deixou um legado duradouro como criador de um sistema de atuação amplamente pesquisado e reconhecido internacionalmente. Descubra mais sobre sua jornada e suas contribuições para o mundo das artes cênicas.
Antes de mais nada, Konstantin Stanislávski nascido em 1863, foi criado em uma uma família religiosa e próspera, com forte apreço pelas artes do teatro, ópera e balé. Sua trajetória teatral começou cedo, por volta dos sete anos, para celebrar o aniversário de sua mãe, aos quatorze, seu pai lhe presenteia com um teatro que construiu na casa de campo.
Sobretudo, no ano de 1877 Stanislávski debuta como ator, a primeira vez que se apresenta para uma plateia que não é somente composta por membros da família. Assim, fundando com seus irmãos seu primeiro grupo – Círculo de Alekseiev, onde destaca-se como ator e tem sua primeira direção.
Dessa forma, nesta fase começa com suas anotações, suas dúvidas, dificuldades e tentativas de soluções. Esta prática de registro irá perdurar por toda sua vida e com certeza foi seu grande aliado na construção de seu sistema.
Então, aos 21 anos ingressa na academia de interpretação, Escola de arte Dramática, fundada por membros do teatro mais importante da época, o Teatro de Mali.
No qual, permaneceu por apenas três semanas porque para Stanislávski a escola não ensinava nenhuma técnica, o aprendizado era apenas pela imitação, sendo assim, acreditava que não precisava de escola, bastava observar os grandes atores.
No entanto, com a observação do belo, Stanislávski apurou seu gosto estético e passa ter uma grande indagação: Como ser natural em cena? A busca da natureza do processo de atuar irá acompanha-lo até seus últimos dias de vida.
Já, em 1887 funda a Sociedade de Arte e Literatura, uma companhia semi profissional onde poderiam reunir artistas e diretores de vários teatros e artes.
Posto que, Stanislávski relata que na inauguração, no final 1888, toda a intelectualidade estava presente e que todos agradeciam por ter reunido tantos artistas, como músicos, artistas plásticos e cientistas num único lugar.
Neste período dirige várias peças, e faz muitas experiências como ator. Adquiriu muito conhecimento ao trabalhar com vários diretores, e aprofundou seus questionamentos e busca por um ator com interpretação própria livre dos clichês.
Em 1897, já bem conhecido, ansiava por um novo tipo de teatro, um teatro de arte e acessível para o público, ou seja, um teatro que estabeleça uma comunicação estética.
Logo depois, Stanislávski se encontra com Vladimir Nemirovich-Danchenko, (1858-1943) dramaturgo e diretor russo que dirigiu por muitos anos a escola da Sociedade Filarmônica de Moscou, que compartilhava dos mesmos ideais de Stanislávski.
Juntos fundam o Teatro de Arte de Moscou, cujo os novos princípios foram estabelecidos numa famosa reunião de 18 horas, onde discutiram seus ideais artísticos, éticos e organizacionais para este empreendimento que viria a ter um papel de extrema relevância na história das artes cênicas.
Logo após, Nemirovich-Danchenko com seu profundo conhecimento literário traz para o Teatro de Arte de Moscou o escritor Anton Tchékhov, com sua peça “A Gaivota”, que estreou em dezembro de 1898.
Este espetáculo, o segundo do Teatro de Arte de Moscou, faz um enorme sucesso e inclusive “A Gaivota” passa a ser o símbolo do teatro.
Nesse sentido, a dramaturgia singular de Tchékhov, que retrata pessoas comuns no cotidiano onde conflito dramático e a vida interior das personagens residem no subterrâneo do texto, terá grande importância para a constituição do sistema de Stanislávski.
Contudo, os seis primeiros anos do TAM foram marcados com muito sucesso e de intensa criatividade. Mas, em 1904 Tchékhov morre, um vazio se estabelece e no ano seguinte Stanislávski e Nemirovich-Danchenko se desentendem por várias vezes, não entravam num acordo sobre o futuro do TAM.
Em outras palavras, a relação dos dois fica abalada, Stanislávski tem uma crise pessoal e artística, se sentia um ator mecânico, vazio, sem algo relevante para comunicar para a plateia.
Em 1906, numa famosa viagem para Finlândia, para revisitar seus registros e com isso lançar uma nova perspectiva de futuro, principalmente no trabalho do ator. Percebe que a arte de atuar é um processo de construção, parte por parte.
Neste período, começa a esboçar os primeiros passos de seu sistema e no decorrer dos anos seguintes se envolve cada vez mais na busca de revelar o conteúdo interior de uma obra e seus personagens, aquilo que não é dito porém perceptível, em suas palavras: “expressar a vida e o espírito humano”.
Para tanto, entre 1912 e 1924 cria uma série de estúdios para experimentação, onde poderia ensinar jovens atores o seu sistema. Porém, pouco depois da revolução russa o TAM sofreu muito, vários membros da cia partiram ficando apenas os jovens atores.
Tal qual, o que recebiam do governo não dava nem sequer para a manutenção. Stanislávski relata que o teatro fazia de conta que continuava a existir. E entre 1922 e 1924 o TAM parte para um tour na França e Estados Unidos, onde fez um grande sucesso, o trabalho dos atores gerou um grande impacto e encomendam para Stanislávski um livro, que escreve “Minha vida na arte”.
Então, em 1928 Stanislávski sofre um forte ataque cardíaco que encerra sua carreira de ator. Nesse ínterim, durante sua recuperação se dedica à escrita do Trabalho do ator sobre si mesmo, quando conhece Elizabeth Hapgood, que irá traduzir e editar seus livros nos Estados Unidos.
A partir de 1933 Stanislávski trabalha somente em casa ensaiando com os atores e escrevendo. Ao passo que, em 1935 até sua morte em 1938 trabalha com jovens atores e diretores no Estúdio de Ópera Dramática onde desenvolve a análise ativa, uma análise através da ação, também conhecido pelo método das ações físicas.
A princípio, é um sistema que visa despertar a natureza criativa do ator/atriz. Propõe um desenvolvimento humano e artístico. O Sistema foi fundamentado nas “leis da natureza orgânica” do artista estudadas na prática por Stanislávski, através de observação e experimentação, e reuniu de forma sistemática os princípios necessários para a criação humana.
Contudo, o Sistema é uma ferramenta valiosa no caminho da criação, para a experiência viva no aqui e agora, potencializando a individualidade criativa do ator/atriz dentro de um coletivo através de uma atitude ativa e investigadora.
O Sistema de Stanislávski também nos dá ferramentas para adquirir um conhecimento profundo do texto, permitindo ao artista um mergulho na essência do texto para adquirir maior consciência da obra não apenas enquanto enredo mas quanto ao conteúdo, o subterrâneo do texto no nosso tempo histórico.
No final do século XIX e início do XX, a Rússia testemunhou um renascimento cultural e espiritual marcante. Um movimento artístico notável desse período foi o simbolismo russo, intrinsecamente ligado à espiritualidade e à busca por elevar a sensibilidade humana por meio da arte.
Ainda que, Konstantin Stanislávski, motivado pelo desejo de explorar profundamente a arte do ator, deu início a uma revolução na interpretação teatral ao desenvolver o Sistema Stanislávski.
Leia também: O sistema de Stanislávski raízes e descendências
Logo, Stanislávski transformou o palco de um mero local de apresentações em um cenário onde a arte se manifestava através de improvisações e experiências genuínas.
O ator deixou de ser um mero intérprete para se tornar um co-criador do espetáculo, mergulhando nas vivências do “aqui e agora”, sempre como se fosse a primeira vez.
Dessa forma a criação se individualiza, enriquecida pelo fazer artístico do ator que também passa por um processo autêntico de aprimoramento humano.
Em 1909, ano em que Stanislávski ensaia na base de suas descobertas, inaugurando assim o Sistema Stanislávski, no qual, se desdobra em duas partes fundamentais: o trabalho do ator sobre si mesmo e o trabalho do ator sobre o papel.
Nesse sentindo, para Stanislávski, um ator criativo precisa explorar intensamente tanto o aspecto interno quanto o externo de si mesmo, ou seja, realizar um trabalho psicofísico profundo.
Além disso, ao se debruçar sobre o papel, o ator deve compreender e expressar o conteúdo espiritual da obra, transmitindo sua subjetividade por meio da materialidade literária.
Ainda mais, a arte do ator surge nesta relação entre ele mesmo, sua visão de mundo e a arte do autor, para assim, surgir uma expressão artística verdadeira e reflexiva sobre nosso tempo.
A ideia central, o que é caro ao artista, o propósito que almeja como ser humano/artista. É o que fundamenta a dimensão social e transformadora da arte. É por meio dela que a expressão artística adquire significado profundo.
A ação é a força motriz do Sistema. Através dela, a criação artística encontra sua expressão mais autêntica.
O ator age em circunstâncias determinadas em seu próprio nome, não interpretando um personagem, mas existindo nas circunstâncias – O estado de “Eu existo nas circunstâncias”.
A compreensão das circunstâncias, contexto histórico, social e político, acontecimentos da obra e seu desenvolvimento ao longo do enredo, as características das personagens e suas relações, se dá com o corpo, a alma e consciência do artista
No palco, as imagens se formam de maneira orgânica e artística. A verdadeira alegria do ator/atriz está na sua verdade no palco, na experiência do vivo, e sua expressão física. A arte de experimentar.
Focar no presente cênico, no “aqui e agora“, como se fosse a primeira vez, é crucial. O instante do agora é o maior presente para um ator/atriz, estar vivo(a) em cena. Tudo nasce no palco.
Para Stanislávski, para ser um criador autêntico, o ator deve aprimorar seu ser físico e mental. Isso é conquistado por meio de um diálogo contínuo entre corpo, mente e alma.
E com a conquista desta receptividade mútua, o ator entra em contato com sua natureza criadora. Para tanto, precisa cultivar constantemente as qualidades necessárias para a criação.
Estar atento ao mundo sem preconceitos, observar compreender a vida, aprender a ver o belo no feio e vice versa. Quanto maior a percepção da vida, maior a percepção do imaginário.
O desenvolvimento da concentração nos permite estar no “aqui e agora”.
O foco de atenção no parceiro de cena dá a ferramenta da criação, a ação, e assim acontece o jogo teatral orgânico.
A imaginação é imprescindível para o fazer artístico pois ela é a entrada para o mundo da ficção, bem desenvolvida é a chave da liberdade artística.
A arte é um produto da imaginação que está intimamente ligada com a verdade cênica, acreditar o que se faz no palco é a imaginação em plena atividade.
O instrumento de trabalho que precisa ser cuidado e exercitado constantemente para uma expressão precisa e vigorosa.
O teatro é uma arte coletiva. Precisamos aprender a trabalhar e construir uma atmosfera de confiança e compreensão entre os parceiros de trabalho. A conexão na coletividade estimula o ambiente sensível para criação.
Uma vez que, o pensamento de Stanislávski vem de encontro com a pedagogia humanista da escola que visa um desenvolvimento não só técnico mas de uma ética coletiva, que através da arte seja possível construir de uma comunidade mais humana, tolerante e diversa.
Em suma, o Sistema Stanislávski oferece uma jornada enriquecedora para o desenvolvimento criativo e humano. Ao abraçar a individualidade, a diversidade e uma ética coletiva, essa abordagem se torna uma poderosa ferramenta para os artistas, que buscam não apenas aprimorar suas habilidades, mas também contribuir para a construção de um mundo mais harmonioso através da arte.