Teatro Escola Macunaíma on jan 26, 2022
Dando continuidade ao registro do evento realizado em 10 de setembro de 2021, que contou com a participação de Nair D’Agostini, comentamos agora a exposição de Michele Almeida Zaltron. É importante lembrar que as apresentações de ambas fizeram parte do Projeto de Pesquisa “Estúdio Fisções – Princípios e Práticas Para a Atuação Cênica Viva”. E que foram viabilizadas pela parceria com o LEV, o CLAPS e a Coordenadoria de Cultura da UNIRIO.
A conversa girou em torno do Método da Análise Ativa, de Konstantin Stanislávski, tema da fala de Nair D’Agostini, e o princípio artístico e ético do trabalho do ator sobre si mesmo, abordado por Michele Almeida Zaltron. Ambas fazem parte do conselho artístico do CLAPS e são parceiras do longa data do Macunaíma.
Michele Almeida Zaltron é doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO, com estágio doutoral na Escola-Estúdio do Teatro de Arte de Moscou, na Rússia É idealizadora e organizadora, junto com Tatiana Motta Lima, do Seminário Stanislávski, que realizou duas edições no Rio de Janeiro (2016 e 2018). Atualmente realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UNIRIO.
Dando continuidade às reflexões de Nair D’Agostini, a pesquisadora começou pelo fato de o trabalho do ator sobre si mesmo ser um dos pressupostos do Método de Análise Ativa. E, em seguida, apontou alguns possíveis equívocos de interpretação sobre a concepção de “si mesmo”, como sua associação a uma atuação ensimesmada.
Nesse sentido, ela explicou que o trabalho do ator sobre si mesmo implica sim uma maior amplitude da percepção sobre si. Mas, para desfazer prováveis mal-entendidos, ela acrescentou que dessa mesma percepção não se exclui a relação com parceiro ou parceira ou com os objetos de cena. E, com isso, Michele Almeida Zaltron evidenciou a importância do coletivo para o trabalho do ator sobre si mesmo.
Segundo a pesquisadora, preceitos importantes do Sistema Stanislávski, como a noção do coletivo, começaram a ser desenvolvidos no Estúdio de 1912. Neste momento, a parceria de Sulér foi fundamental, bem como um espaço laboratorial, como o estúdio, foi determinante para as buscas do mestre russo.
A pesquisadora também falou sobre o que são as forças criativas para Stanislávski. E enfatizou que o ponto de partida para a criação de seu Sistema foi o próprio ser humano e suas potencialidades. Ou seja, Michele Almeida Zaltron esclareceu que todos os elementos fundamentais do Sistema Stanislávski já existem em nós.
Isso fica perceptível ao retomarmos os elementos orgânicos da ação, que coincidem com nosso vocabulário cotidiano. Entre eles, cabem ser citados: Concentração, Imaginação, Relação, Adaptação, entre outros. Com isso, percebemos que Stanislávski não buscava algo exterior à natureza humana, mas se baseava no que nos constitui, a fim de potencializar as nossas próprias capacidades.
A questão é que, condicionados pelo mundo do trabalho, pelo tempo da produção, acabamos por atrofiar muitas das percepções sobre nós mesmos e sobre a vida. Em vista disso, Stanislávski busca aflorá-las e, para isso, desenvolve técnicas relativamente simples, que visam a expressão singular de cada um.
Assim, o trabalho sobre si mesmo propõe a despadronização do ator ou da atriz e parte da percepção da mecanicidade e dos automatismos. Isso para acordar, despertar o estado criador, furando os bloqueios ou, como comentou Michele Almeida Zaltron, as “cascas” que acumulamos ao longo da vida.
Desse modo, reaprendemos a levantar, sentar, caminhar etc. Mas de forma até mesmo mais natural, orientados pelas forças da natureza que carregamos em nós. Temos, portanto, que aprimorar a nós mesmos, a fim de alcançar um aprimoramento artístico, a fim de alcançar uma forma artística.
Michele Almeida Zaltron disse que Stanislávski se referia a esse processo como de assimilação “à carne e ao sangue”. E é nessa perspectiva que ele falava sobre o desenvolvimento de uma segunda natureza do ator ou da atriz. Mas, para tanto, se faz necessário um trabalho diário, o exercício cotidiano da percepção, e este é um caminho de investigação para a vida toda.
A pesquisadora também fez questão de salientar que o trabalho do ator sobre si mesmo não pressupõe uma linguagem estética pré-determinada. Trata-se, antes disso, de uma “base de sustentação do ator”, como ela citou. E possibilita um amplo diálogo criativo, cujo o estilo da pesquisa encaminhará para uma linguagem específica.
É desse modo que nós, diretores-pedagogos do Macunaíma, entendemos o Sistema Stanislávski. E também é em consequência disso que adotamos o trabalho do ator sobre si mesmo como suporte de nossas aulas de atuação presenciais e online. Pois, para além da questão estética, nos interessa o aprimoramento do ser humano a partir da relação entre arte e vida.
Esse é um dos motivos de nosso encantamento por Stanislávski e que nos faz reafirmar a escolha por seu Sistema como guia de nosso trabalho como educadores e educadoras. A destituição da noção de talento e a concepção da arte da atuação enquanto uma área do conhecimento que pode ser aprendida, ou melhor, que pode ser desenvolvida a partir do que nos pertence faz-nos acreditar cada dia mais no que fazemos.